Transgressões permanentes e a insurreição dos saberes sujeitados
reflexões sobre normalização e os usos do método arqueológico-genealógico de Michel Foucault
Resumo
O artigo permeia a teoria do risco ao vislumbrar processos de construção e desconstrução de identidades que eventualmente podem se livrar do constrangimento da subjetividade dominante e se edificarem como transgressores dos limites do discurso hegemónico. Essa abertura propõe que concepções tipicamente modernas sejam colocadas em crise, a fragilizar as margens, os limites da cientificidade, da racionalidade, a deixar emergir tensões entre conhecimento e desconhecimento, inclusão e exclusão, subjetividade e sujeição, tudo a se reconstruir a partir de uma reviravolta dos saberes sujeitados. Eis que aparece, na obra de Foucault, a fundamental percepção da definição de autor, isto é, aquele que discursa e assim interfere no mundo. Propõe-se assim que a ciência, a racionalidade, a verdade sejam simples ornamentos desde que despidas daqueles que a concretizam. A instauração desta perspectiva proposta por Foucault foi combatida por autores como Jünger Habermas e Simone Goyard-Fabre, a atribuírem ao filósofo francês um discurso epistemologicamente esvaziado, a conduzir a um niilismo filosófico. O artigo procura demonstrar a inconsistência das críticas feitas à Foucault, a explicar que sua proposta segue a picada aberta por Nietzsche no sentido de que o conhecimento é uma relação de poder e dominação. A proposta de Foucault consiste em dissecar como as práticas sociais engendram domínios de saber de modo a construir objetos, conceitos, técnicas e, sobretudo, novos sujeitos, sujeitos de conhecimento e essas concepções estão permanentemente abertas à subversão, à transgressão, isto é, a formas de construção diversas. Esse propósito se dá mediante o uso de uma perspectiva própria, um método arqueológico-genealógico através do qual verdades, instituições e poderes refletem necessidades e objetivos localizáveis através da história dos sistemas de pensamento. Conclui-se, a usar do exemplo de Jean-Michel Basquiat, que a distância entre sujeição e emancipação não é um espaço distenso porque o poder que flui das relações humanas está sempre em jogo, os saberes estão sempre em manipulação.
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