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Henrique Zeferino de Menezes e Daniela de Santana Falcão Poder e autonomia das organizações internacionais:
a OMPI na governança dos direitos de propriedade intelectual
levaram a novas descobertas cientícas e a constituição de novas áreas
de conhecimento e produção
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, impulsionaram o aprofundamento da re-
lação entre empresas, institutos de pesquisa e investidores, assim como
levaram ao aumento da procura por mecanismos de apropriação privada
sobre o conhecimento. Por sua vez, houve também uma multiplicação
das formas de proteção ao conhecimento para além dos mecanismos
tradicionais (patentes, marcas e direitos autorais)
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. Ao mesmo tempo, a
OMPI foi espaço institucional para negociação de acordos suplementares
ao TRIPS em áreas de grande complexidade e marcadas por debates polí-
ticos e controversas profundas. As chamadas “Agenda Digital” e a “Agen-
da de Patentes” são exemplos marcantes do papel normativo da OMPI em
setores de alta intensidade tecnológica e complexidade normativa
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.
Como resultado, a OMPI se fortaleceu como uma burocracia com
poder razoável em virtude de sua autoridade de lidar com matéria com-
plexa como são os direitos de PI. O controle sobre um amplo conjunto de
informações, assim como a capacidade de administrar e controlar uma
agenda de negociações com grande potencial econômico, confeririam a
organização um poder típico das burocracias – poder proveniente da sua
legitimidade racional-legal. Nesse sentido, além da própria autoridade
burocrática constituída por mais de um século, a OMPI exerce autorida-
de por lidar com uma matéria que exige uma ampla expertise técnica.
Somente o controle sobre o universo de informações referente às diversas
modalidades, tipos e formas de proteção a PI já conferiria à OMPI um
poder considerável sobre os países, especialmente os de menor renda re-
lativa. Entretanto, seu exercício de poder extrapola essa dimensão.
Como aparato burocrático responsável pela negociação de acordos
multilaterais de PI, a organização também controla a denição de quem
são os atores relevantes nas negociações e nos processos normativos. A
denição de quem se constitui como stakeholder é fundamental nesse
processo. Dois comitês de assessoramento, criados no nal da década de
1990 – o Policy Advisory Commission
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(PAC) e o Industry Advisory Commis-
sion (IAC) – são responsáveis pela proposição de temas e regulações a
serem negociadas sob a coordenação da Secretaria-executiva da OMPI.
A forma como a organização é “governada” e como suas agen-
das são construídas, assim como a denição dos atores que incidem for-
malmente sobre as negociações, são elementos fundamentais do processo
negociador. Nesse sentido, a capacidade da OMPI de estabelecer parâme-
tros especícos para guiar esses processos, produz resultados próprios,
que denem os níveis de transparência, accountability e o potencial da
participação dos Estados-membro e da sociedade civil na denição das
normas que regulam os direitos de PI.
Além desses elementos típicos de uma burocracia internacional
que garantem formas especícas de poder à organização, a OMPI possui
um sistema de governança particular quando comparada com outras OIs.
Alguns fatores próprios da sua estrutura de confeririam a ela um espaço
de ação ainda mais autônomo em relação à sua constituency. Nesse senti-
do, dois elementos especícos se destacam: o papel da sua instância ad-
ministrativa técnica, a Secretaria-executiva, e a forma de nanciamento
da organização.
12. As descobertas e avanços na
biotecnologia e life sciences, junto das
pesquisas sobre genoma, além das no-
vas tecnologias da eletrônica, bioenge-
nharia, nanotecnologia e a economia da
internet, são revoluções significativas
do século XX que, além de permitir a
criação de novos bens e produtos, levou
à definição de campos da produção com
potencial inovador ainda incalculável
(MUSUNGU, 2005).
13. O TRIPS estabeleceu a proteção
a indicações geográficas, desenhos
industriais e topografia de circuitos
integrados, além de garantir algum tipo
de proteção sobre novas variedades
vegetais. As negociações dos chamados
acordos TRIPS-plus levaram à criação de
novas formas, ainda mais complexas, de
proteção à PI não previstas nos princi-
pais acordos multilaterais. A proteção a
dados de prova, proteção a seres vivos,
proteção a métodos de negócios e etc.
são novidades normativas comum em
acordos TRIPS-plus.
14. A Agenda Digital englobou a nego-
ciação de dois tratados internacionais, o
WIPO Copyright Treaty (WCT) e o WIPO
Performaces and Phonograms Treaty
(WPPT). O Beiing Treaty on Audiovisual
Performances, aprovado em 2012,
mesmo não inserido dentro da chamada
Digital Agenda, regulamentou a PI de
artistas em performances audiovisuais.
Já a Agenda de Patentes tratou de
demandas relacionadas à do Patent
Cooperation Treaty (PCT), a ratificação
do Patent Law Treaty (PLT) e negociação
do Substantive Patent Law Treaty (SPLT).
Ver o documento WIPO A/36/14.
15. WIPO Policy Advisory Commission
Endorses Use of Intellectual Property as
a Tool for Development. Disponível em:
<http://www.wipo.int/pressroom/en/pr-
docs/2003/wipo_upd_2003_208.html>.